Sabe-se lá porquê, a
minha prima Lita tem de apelido Mendonsa. Assim mesmo, com “s”, que lhe adveio do marido,
ele também emigrado nos States até se
passar, já lá vão muitos anos.
Viviam numa cela,
como dizia, no que para nós, portugueses de Portugal, era uma cave, e tinham
por vizinho um airicho (de irish,
está-se mesmo a ver), consumidor inveterado de bias, que partilhava com
Komrij, um docha, seu único parceiro habitual, agora que Jonim Mendonsa partira para o outro
lado da vida, na versão daqueles que – ainda – acreditam no Além. Os outros terão dito que entregou a alma ao Criador, se são crentes, ou, caso contrário, terão afirmado, ainda que incorrectamente, que foi para debaixo da terra. É que, de facto, foi para cima da água: Lita mandou-o cremar e espalhou as cinzas no mar, do exacto local em que foi concebida a filha mais nova numa madrugada de luar e apetites, daqueles a que não conseguimos negar a evidência e a vontade.
Lita tem duas filhas e três netos, perfeita e completamente
assimilados, mas que ainda, aqui e ali, mostram que a língua portuguesa não foi
totalmente afastada das suas vivências americanas, colorindo-a, entretanto, com
neologismos e outras corruptelas semânticas.
E, se as mães fazem senhoras
americanas e os pais têm em conjunto
uma marqueta de utilidades, os filhos frequentam a escola alta, são amigos com
americanos da sua idade, chamam, em vez de telefonar, duas vezes por dia, as
mães, que, por hábito, os chamam para
trás, ou seja, lhes devolvem as
chamadas, não raro dos telefones da casa das patroas, comem galinha frisada, em vez de congelada, enjoiam os fins de semana em longas sessões
familiares de carne no charcoal e bia na frisa, gastam as suas dólares em discotecas de tamanho
orgulhosamente americano e donde saem tantas vezes colapsados, trimam uns buxos para ganhar uns extras, são humorosos e fazem
o seu melhor para que a sociedade
não os mace demasiado com suas leis.
Continuam a festejar as crismas, porque é a festa da família. Gostam de se
imaginar futuros bisneiros, ou bossas grandes, eles que são
cerasinos, ainda que netos de calafonas.
Lita não clama da vida, lambuza-se com o seu açucrim e agradece a Deus
alguma chança na vida (nunca foi ambiciosa), a saúde que nunca lhe
deixou, as crianças também saudáveis,
os dias fora, sempre passados em
família. Agora, que fez o ritaia, e que salvou o suficiente para uma
velhice calma e pacata, continuará a viver sem dificuldades de maior.
Mas gostava de voltar, diz-me. Tem um certo receio dos cada vez maiores
perigos com gangas, importa-se com isso e com os netos. Pensa
mesmo que o sangue alto, única maleita que a tomou, é fruto dessa
preocupação. Dessa e com o tenente da cela que acabou por manter e alugou. Está velho
o San-Payo, não tem escola, nunca foi de salvar, mal paga o mês…
melhor mesmo era preencher as formas para a alferes (welfare, beneficência pública,
apresta-se a esclarecer) e, porque a mediqueta, apesar de tudo, não trabalha mal, Lita
pode vir descansada, vendido, ainda que em baixa, o beisemento.
Assim as filhas entendam!