segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões - António Bagão Félix




Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal"por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar apagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].

Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionistaviu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!).

Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas.

Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previstono memorando da troika.

Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com o sbeneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidament eao longo da sua vida restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada.

Um castigo acrescido para quem poupa.

Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos detrabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional.

Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que oimposto sobre o rendimento pessoal é único.

Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.

Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados,os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.

Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partirde agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudand irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.

Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer"refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável.

Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para"legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões.

"Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos.

Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.

PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade deaposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013 (até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta derespeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.

PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS não poderá deduzir umcêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem,evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduziruns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros. É comovente...

PUB 28-11-12 Por António Bagão Félix

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Porto Canal e mística portista





O “Porto Canal”, a estação de televisão que mais se aproxima do meu conceito de projecto para a informação privilegiada de um clube, mostra como o FC Porto contornou certas tentações, de que o canal Benfica TV é o exemplo acabado com o apanágio da chicana e do insulto. E isso faz toda a diferença!
Se me disserem que a Benfica TV, entretanto, inverteu este rumo desde que deixei de vê-la, então considero o que escrevi como mero registo histórico, removendo-o do presente.

É óbvio que o aberrante, por vezes, pode divertir-nos. A mais execrável conduta pode lançar-nos um sorriso no olhar. Temos esta particularidade de rir – ou sorrir – de tudo aquilo que, ainda que sórdido ou dramático, só pode ser visto à luz da caricatura. Eu próprio gozei imenso com aquela invenção pré-histórica de “transmitir” os jogos do Benfica com círculos num tabuleiro, que se mexiam, alegadamente mostrando o desenrolar do jogo que corria ao lado, na SportTV ou num canal generalista. Burlesco, no mínimo, como burlescos se tornavam alguns lugares comuns do insulto ao FC Porto, durante essas transmissões, mesmo quando o adversário não era o Dragão.

Será, aliás, difícil, para mim e para muitos que se pautam por outros valores que não os da Benfica TV, esquecer aquele comentário infeliz de que Pinto da Costa, para bem de todos, já deveria estar a festejar o título que o FC Porto acabara de conquistar (suponho que com Vilas Boas) junto do seu amigo Pôncio Monteiro, que tinha falecido meses antes.

Se um dia a televisão do meu clube enveredar por aí, confesso que não sei o que serei capaz de escrever perante tamanha desilusão.

Mas não era sobre isto que queria escrever. Vim aqui para escrever sobre mística, e como ela se constrói.

Júlio Magalhães introduziu na grelha da estação uma espécie de talk-show, chamado “Dupla improvável”, onde, com Paulo Futre, vai brincando ao entretenimento de uma forma interessante e descomprometida.
No último, foram convidados Laureta (o Lau) e Quim (Vitorino) e falou-se, como era de esperar, da final de Viena, que Laureta falhou por se ter lesionado gravemente num treino. Mas falou-se de muito mais. Sobretudo de mística.
Ficámos a saber, por exemplo, que André e Quim eram os testas-de-ferro a quem incumbia defender o “menino” Futre das investidas às suas pernas por parte dos defesas adversários. E podemos imaginar essas cenas, sobretudo aqueles que não assistiram a tantos desses episódios porque ainda não havia televisão omnipresente nos campos de futebol. Eu assisti a muitíssimas delas, in loco, felizmente. André era, de facto, o jogador que, dentro do campo, ninguém queria ter como inimigo. Nem o José Pratas…

Mas ficámos também a saber dos sempre falados, mas nunca decifrados, mistérios dos “almoços de sexta-feira”, onde só entrava a task force do plantel, os portadores da mística. Para entrar nesse restrito escol, os mais novos tinham de merecer, lutar arduamente por um lugar à mesa. E o que eles corriam e lutavam para merecerem o convite… Era a mística em avaliação contínua!

À distância do tempo, se relembrarmos a constituição do plantel portista de então, poderemos extrapolar sobre alguns dos temas discutidos nesses almoços.

Há quem diga (e eu trago-o aqui porque conheci algum do trabalho de casa que os jogadores tinham) que um dos assuntos principais era o “relatório” sobre o árbitro do jogo seguinte: os seus medos, as suas virtudes e defeitos, aquilo a que era sensível no “relacionamento” físico com os adversários, os limites da contestação, as simpatias clubistas… Como se deslocava em campo (Sim. Já sei que algumas almas mal intencionadas estarão a pensar: ai os gajos… agora percebo por que algumas faltas passavam em branco… eles sabiam que o árbitro, em princípio, não veria). E qual o atleta escolhido para se dirigir ao árbitro quando fosse necessário impor-se alguma pressão. Só quando se tratava de José Pratas não se procedia a essa escolha, desse tratava – e bem – André!

Ficámos a saber que também se discutia a forma como Futre tinha de ser preservado fisicamente para poder manter, durante todo o jogo, os célebres “piques” que incendiavam a alma azul-e-branca e semeavam o pânico no adversário. Cabia a Quim “cobrir” as subidas de Laureta (o tal que mantinha, permanentemente, por cicatrizar a face externa dos membros inferiores, em nome da raça com que sempre entrava em todo o lado esquerdo da equipa portista, lavrando o relvado com próprio sangue – pode parecer exagerado, eu sei, mas não me coibi de laurear essa estirpe de defesa esquerdo, com alguns seguidores no clube), porque Futre estava “proibido” de vir atrás. Ele que fizesse o que sabia, e os outros, os do meio-campo, lá estariam para cobrir a retaguarda.

Claro que não se falou, por exemplo, do mito da mão de Quim a ajeitar a bola sempre que Celso cobrava um livre. Se não o fizesse, certo e sabido que Celso falhava!!! Agora, imaginem uma falta cometida sobre o Quim, o Quim não podia ser assistido sem que antes desse o abençoado toque na bola porque teria de sair do campo depois de assistido e solicitar a reentrada. Não dava tempo!

Deste programa e da restante informação do clube nesta estação se infere que um canal de televisão ligado a um clube pode defender os seus valores, revelar alguns dos seus segredos e algumas das suas estórias, guardados pela história, sem entrar pelo caminho ignominioso do insulto soez contra os adversários, sobretudo os mais directos.

Foi bom estarmos ali uma horita a ouvir falar do clube, sem uma única referência ao Benfica!

E, mesmo nos jogos da equipa B, que o “Porto Canal” transmite quando realizados no estádio de Grijó, ao colocar Bernardino Barros à cabeça dos comentários, a estação andou bem, prova de que se pode ser isento e ter lisura numa informação com matriz clubista. Bernardino Barros, com todo o peso do seu trajecto de jornalista desportivo, é o garante dessa isenção e dessa lisura. Se têm dúvidas, oiçam-no!

Júlio Magalhães, o regressado “Juca”, que preferiu recolher a casa e às origens para liderar este processo de entrada do FC Porto no mundo da televisão própria, mas com programação generalista e independente, vai por certo continuar a defender este aspecto, o único que serve a um clube que não quer um canal para guerrinhas de Alecrim e Manjerona ou para sublimar provincianismos: quer um canal para construir uma imagem (supra-)nacional dos valores de um clube que soube crescer, emancipar-se, e que, finalmente, quer vender a sua marca num estádio superior ao dos adversários. A liderança tem de ser integrada, cada vez em mais áreas de intervenção. Defender o que é nosso tem sempre um preço elevado. Demasiado caro para perder tempo com rastos menores de exacerbações que a nada conduzem, a não ser ao ridículo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O hóquei em campo está de luto




Faleceu uma das figuras de referência do hóquei português. José Estêvão Vasconcelos Machado foi um dos maiores lutadores que a modalidade conheceu, e deixou-nos ontem. Não tivesse falado recentemente com o filho, o vice-presidente reeleito para o executivo da FPH, José António Machado, e a notícia ter-me-ia apanhado ainda mais de surpresa. Mas, por entre lágrimas de saudade antecipada, o Zé António disse-me que o pai estava em estado terminal e só se aguardava o desenlace final.
Mesmo assim, hoje de manhã, ao abrir a minha página do facebook, a notícia estava lá, o escudo da Federação a negro. Não conseguimos nunca, mesmo que seja esperado, encarar a morte doutra forma, que não esta: o enorme vazio que fica quando parte alguém que nos marcou. Mesmo que, por fé, acreditemos na vida eterna, mesmo que, por amor à poesia, encaremos que esta partida é uma libertação da lei da morte, como escreveu Camões. Somos humanos, e esta marca indelével de fragilidade acompanha-nos e revela-se, exactamente, em momentos como este, em que o desconforto de mais um lugar vazio na nossa vida se confirma.
José Machado era um homem de convicções. Um lutador. Um homem recto. Tinha sonhos enormes e, felizmente para a modalidade, muitos se concretizaram. A variante indoor foi praticamente introduzida em Portugal por ele, a par de José Nora, que lhe conferiram uma nova identidade. Com eles, esta variante passou a ser respeitada como a grande hipótese que tínhamos de fazer crescer a modalidade, ainda sem campos condignos para a sua prática na variante de campo. Então, se não tínhamos essas condições, havia que fazer a formação num piso onde os mais jovens atletas tivessem condições mais próximas dos outros, os de lá de fora. E os frutos apareceriam: José Machado tinha uma fé enorme no atleta português e nas suas características inatas, o resto teria de ser feito através do trabalho.
Só um sonho ele não terá concretizado, apenas porque os jogos políticos neste país, refém de alguns autarcas sem palavra, podem mais do que a vontade dos cidadãos. Esse sonho nunca concretizado, mas para o qual José Machado trabalhou denodadamente durante anos e anos, foi o do complexo desportivo da Federação, que chegou a estar em projecto para Matosinhos. Vi muitas vezes os seus olhos a faiscarem, enquanto mostrava as novas amostras de relvados sintéticos, entretanto recebidas na FPH, ou quando passeávamos amiúde pelo espaço onde seria – acreditava ele – instalado o complexo.
José Machado foi um dirigente de eleição. Nem sempre estive de acordo com ele, no campo da dialéctica defrontámo-nos diversas vezes com muito fervor e algum furor, eram os tempos em que quase tudo tinha de ser feito e cada um defendia os caminhos e posições com a força e denodo que Deus nos emprestou. Claro que a sua experiência e o meu respeito levavam sempre a melhor, eu estava ainda a aprender e reconhecia-lhe o grande mérito de lutar por algo a quem ele já dera tanto, eu só queria ser capaz de fazer metade daquilo que ele já tinha feito. E era entusiasmante, eram vivas as reuniões nesse tempo em que não havia tempo para discutir o sexo dos anjos: o tempo urgia!
Do seu percurso, como atleta, treinador e dirigente, ficarão para sempre ligados o Vilanovense, o FC Porto, o Sport, a Associação de Hóquei do Porto (de que foi Presidente) e a Federação portuguesa, de quem recebeu, em 1988, a “Medalha de Dedicação”. Não tivesse sido polémico, não tivesse posto sempre o dever à frente das palavras com que defendia a sua modalidade, e, por certo, como outras figuras, teria recebido outras condecorações do hóquei. Mas ele, para quem a ambição era o crescimento da modalidade contra tudo e contra todos, nunca poupava nas palavras nem subtraía nos adjectivos, razão por que foi muitas vezes apodado de controverso, por isso mesmo problemático para outros dirigentes que, sem servirem tanto, se serviram mais.

Ao Zé António, que sei estar num momento particularmente sensível, ele que tinha no pai o seu grande modelo, o meu abraço solidário e inteiro. À restante família, os meus respeitos nesta hora difícil.
Estamos todos, os do hóquei e seus indefectíveis admiradores, mais sós, hoje, nesta manhã fria que ainda mais nos arrefece a alma.
Fica em paz, José Machado. Vai em paz, José Estêvão Vasconcelos Machado.

domingo, 11 de novembro de 2012

ISABEL JONET, PROF. PINTO DA COSTA E BREIVIK




A recente polémica contra Isabel Jonet e as suas declarações, ditas controversas, atingiu o paroxismo. Um paroxismo todo português, alimentado por quem, à laia de não ter mais com que se entreter, passa os dias e as noites a insultar quem, ainda, faz alguma coisa útil pela sociedade, quem, no fundo, ainda consegue ter uma atitude cívica e de mérito, manifestamente a favor dos mais desfavorecidos e perseguidos pelos erros de alguns que se atrevem a ignorar aquilo que fizeram para que a sociedade portuguesa esteja no estado em que está.
Foi demasiada estupidez e hipocrisia, juntas.
As declarações de Isabel Jonet até podem ter sido desafortunadas. Mas, naquele contexto redutor em que todos vamos caindo em sociedade, o de considerar infeliz a manifestação da verdade quando dói.
E com custos elevados!
Lembro, neste momento, as declarações do Prof. José Eduardo Pinto da Costa, quando, após o desastre da Ponte de Entre-os-Rios, informou que as pessoas deviam habituar-se à evidência de haver cadáveres do desastre que jamais apareceriam, o trabalho social deveria ser, então, o de preparar as famílias para essa contingência de não poderem fazer normalmente o luto.
Infelizes declarações, na visão de algum povo e dos políticos, despoletou a muito mais infeliz destituição do cargo que Pinto da Costa exercia para o Estado.
Mas a verdade aí está: a maior parte dos cadáveres não apareceu e as pessoas continuam indefesas perante a inevitabilidade de não poderem enterrar os seus, não podendo ultrapassar o luto.
Neste país, então como agora e sempre, é proibido dizer a verdade, sobretudo se a verdade for dolorosa. Ou antipática.
E, como não aprendemos as lições, há que demitir a Dr.ª Isabel Jonet em nome de uma certa hipocrisia de alegados valores morais.
Às tantas, aqueles que pugnam por estas destituições, são os mesmos que consideram coitadinho um tal Anders Breivik, norueguês e assassino confesso, que vem agora lamentar-se, numa carta de 27 páginas, de que a prisão de Ila, onde cumpre pena, não responde às exigências do seu “mérito” assassino, apesar de a sua “habitação” prisional ter três divisões: quarto, escritório e ginásio. Só que S. Ex.ª não quer viver numa prisão que “abriga alguns dos mais perigosos homens” da Noruega. Mas o que é ele senão um dos mais perigosos “homens” da Noruega?!
Ele, que matou indiscriminadamente dezenas de jovens, em gesto inconcebível e hediondo numa sociedade de valores, queixa-se ainda de que as condições da prisão “violam os direitos do homem” porque a manteiga é pouca, o café chega por vezes frio às suas “distintas” mãos e as algemas que tem de usar em certas transferências são “muito afiadas”…
Deste coitadinho temos pena! Muita pena, vítima que é da sociedade.
Aos que ainda fazem alguma coisa pelo bem comum ou dizem a verdade que temos de ouvir, embora seja aquela que não desejássemos por ser incómoda, demitimo-los ou assassinamo-los moralmente. Com a maior desfaçatez e falta de carácter.
Que infelizes!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Viva, Sr. Ministro das Finanças!



Não sou adepto da teoria da conspiração. Os políticos, no entanto, parecem querer que eu abjure esta minha teoria. Refiro-me ao que acabo de ler: o tabaco de enrolar será o mais penalizado na escalada de impostos, mais ainda do que os charutos. Porque se trata de uma fuga em frente dos mais pobres, que já não têm dinheiro para comprar um maço de tabaco ao preço normal, parece cruel. É a ressurreição do aumento do IVA sobre material desportivo, excepto o do golfe!
Como comentário, apenas o que li, algures, noutros tempos que julguei definitivamente afastados: “É medida de destaque / para ganhar alguns cobres / lançar imposto ao traque / que é o piano dos pobres”. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Mais um tiro no pé do futebol português





Há atitudes inexplicáveis na vida. Desculpam-se, muitas vezes, com a juventude de quem as toma; ficamos atónitos quando elas partem de quem é responsável pela imagem de uma instituição e onde a juventude deixa de fazer sentido como ressalva.
A imagem insólita de um árbitro caído por terra, depois de um empurrão de um “armário” como é Luisão do Benfica, espanta pela crueza de um gesto irreflectido de um capitão de equipa, embora não creia que a “agressão” fosse de molde a explicar tanto espalhafato. No entanto, quando não contamos, um simples toque pode desencadear um desmaio momentâneo. E, se há coisa com que um árbitro não conta, desde logo num jogo particular, e porque está concentrado a olhar o cartão amarelo que vai exibir, é que lhe caia o céu – ou o inferno – em cima.
Arrumada a questão com a suspensão do jogo, entram em cena outros intérpretes da “verdade” circunstancial.
Confesso que, por princípio, duvido de pessoas que vendem a alma e os ideais. Se um sindicalista se passa para a trincheira do patrão, como se, por exemplo, Carvalho da Silva aceitasse um convite para administrador de uma grande empresa, eu tenho desde logo de duvidar dos ideais que alegadamente defendeu durante os tempos em que apenas pareceu defender os trabalhadores. Ele passou a defender o patrão, por certo a troco de uma subvenção assinalável, atendendo que está no topo da indústria do futebol no país.
António Carraça, pelo que disse do árbitro, conquistou o direito de ser considerado ridículo. E estou a chamar-lhe ridículo com todas as letras e todos os acentos, tónicos e átonos.
Em vez de pedir desculpa, em nome do atleta e do clube que lhe paga, atirou ainda mais achas para a fogueira, apelidando de patético o comportamento do árbitro alemão agredido. Não entendem estes agentes desportivos que, defendendo a violência, estão a abrir a porta a que essa violência se institucionalize?
Há muitas formas de ultrapassar gestos e atitudes, sobretudo se se fizer com verdade. O primeiro passo é reconhecer o erro. Branquear a atitude de Luisão é ir pelo caminho errado. É defender a violência no desporto.
Para finalizar,  uma pergunta: sendo Luisão um atleta experiente, com muitos anos de competição ao mais alto nível, o que o levou, num jogo que não contava para nada e em que o cachet da participação já estava depositado na conta independentemente do resultado, a cometer erro tão crasso? Será que este gesto tem por detrás outros contornos, reveladores do estado de espírito do Benfica para a próxima Liga? É assim tanto e tão grande o desvario que se plantou na equipa ao ponto de já nem o capitão saber comportar-se? A época ainda nem começou e já se nota que algo está a mais na cabeça dos jogadores do Benfica? Até que ponto o treinador Jorge Jesus é também responsável? Ou Luís Filipe Vieira? Terá Luisão escolhido este momento para revelar ao mundo o (seu) desconforto no seio do grupo de trabalho? E o que revelam as gargalhadas de escárnio de atletas e do próprio Jorge Jesus, nos momentos seguintes ao insólito, com palavras ditas de boca tapada mas com evidente gozo? Que falta de decoro e de classe!
Uma coisa é certa: quem verdadeiramente sai beliscado com esta imagem é o futebol português. Fora só o Benfica e eu estaria placidamente gozando no sofá. Mas esta imagem também me diz respeito como português!

sábado, 28 de julho de 2012

Mais uma acha




Relvas foi flibusteiro, como terá sido Sócrates e Armando Vara. Ponto.

Mas talvez seja da idade a circunstância de cada vez me lembrar mais do passado. De repente, dou comigo a reviver momentos marcantes da minha história pessoal, quanto mais antigos mais nítidos.

Daí, o ficar cada vez mais cínico face a certos senhores da minha idade ou ligeiramente mais velhos e mais novos que, arvorando-se em salvadores da honra académica, deram consigo a bater desalmadamente no senhor Miguel, a assinar e propor petições, a exigir.

Ora vamos lá por partes. Quem entrou na Universidade na década de setenta, quantas cadeiras fez por passagem administrativa? Uns acabaram cursos, outros apanharam-se sem saber ler nem escrever como pré-finalistas, finalistas. Outros, com menos sorte, aproveitaram, vá lá, o primeiro ou segundo anos desta forma.

Lembro-me de que dois dos meus mestres, nessa idade de conquistas revolucionárias, foram várias vezes ao meu emprego (completei o liceu e entrei na faculdade como trabalhador estudante) com o argumento de que era estúpido eu não aproveitar a maré: "Matriculas-te, basta isso, e fazes os três anos que te faltam para a licenciatura sem um exame. Claro que tens de ir a umas AG de alunos, fazer umas vigílias, participar em RG... Mas isso é o menos, apareces, sais com umas palavras de ordem, tu até tens jeito para falar em público". E, cumulativamente, poderia aproveitar, se a mama secasse, o facto de ter feito o serviço militar para usufruir de épocas especiais de exames, penso que de dois em dois meses poderia requerer exame a uma cadeira (penso que sim, mas não sou peremptório; se não eram dois, eram três).

E quase me seduziram, não fossem os princípios. Sim, naquela idade, os meus sonhos eram revolucionários, mas de outra índole. Era mais de paixões do que de sensatez. Sempre gostei de viver com independência, pela minha cabeça (que nem sempre regulou bem, convenhamos, e me trouxe alguns problemas ao longa da vida), e a ausência de regras funcionava para mim como a permissividade na formação de um adolescente, deixava-me frágil, desprotegido. Feitios!

Nunca fui "Dr.", mas hoje, vítima dos abusos do poder dito democrático e da sua ausência de coerência, penso que este país merecia que eu tivesse dito "sim" e teriam de me pagar, hoje, não a parcimoniosa pensão que aufiro, mas uma reforma para aí do triplo ou quádruplo, que, graças aos meus pais que me fizeram assim e a Deus que me deu a bênção, não sou de deitar fora em termos de competência, capacidade de trabalho, sou plurifacetado para diversos misteres, e com inteligência suficiente para ver as coisas de forma expedita e tranquila.

Não quis ser naquelas circunstâncias e daquela forma (estúpido, penso eu, hoje, destituído de todo o romantismo), socorro-me desta veia e desta memória para me rir um pouco das manigâncias de uns espertalhões que ainda estão a pensar nas coisas e eu já a ver como elas vão acabar. E estou-me marimbando (perdoem-me o termo, mas, se Sua Excelência o Senhor Primeiro Ministro pode usar termos deste léxico de cordoaria, eu também posso) para os títulos de pacotilha, para as resmas de tratados, aleivosias de académicos, centenas de milhares de licenciados que nem escrever sabem. Je me fiche pas mal.

Mas, como tenho a puce à l'oreille, gostaria de ver o registo académico de, pelo menos, vinte a trinta por cento dos que criticaram o Senhor Miguel. Ressalvo aqui as honrosas excepções de muita boa gente que o fez em defesa de valores superlativos. Será que os seus lustrosos títulos académicos não chegaram para lhes fazer ver que, pelo facto de criticarem um pacóvio megalómano, um provinciano com a mania das grandezas - tal como Relvas (o Miguel), também Sócrates (o José) e Vara (o Armando), entre outros, sofriam deste complexo de inferioridade intelectual e de chico-espertismo -, conseguem branquear a sua própria história ou mascarar os seus complexos saloios?! Ou, simplesmente, ficaram enraivecidos (ou raivosos) por não terem descoberto a pólvora ou o ovo de Colombo?!

E, sim, por mais despudorados que sejam os nomes que me atirem à laia de insulto pelo que escrevi, só me insulta quem eu deixo. Estou-me olimpicamente borrifando para quem se esconde atrás da azia para atirar pedras à história. Far-me-ão lembrar aqueles da "segunda circular" que se entretêm a insultar os dragões que vão papando títulos com a serenidade de quem escreve pelas suas mãos - e não à sombra do regime - o futuro. Ainda que com erros de percurso! Pecados de circunstância! Mas o poder conquista-se assim.

... E a caravana passa!