Relvas foi flibusteiro, como terá sido Sócrates e Armando Vara.
Ponto.
Mas talvez seja da idade a circunstância de cada vez me lembrar
mais do passado. De repente, dou comigo a reviver momentos marcantes da minha
história pessoal, quanto mais antigos mais nítidos.
Daí, o ficar cada vez mais cínico face a certos senhores da
minha idade ou ligeiramente mais velhos e mais novos que, arvorando-se em
salvadores da honra académica, deram consigo a bater desalmadamente no senhor
Miguel, a assinar e propor petições, a exigir.
Ora vamos lá por partes. Quem
entrou na Universidade na década de setenta, quantas cadeiras fez por passagem
administrativa? Uns acabaram cursos, outros apanharam-se sem saber ler nem
escrever como pré-finalistas, finalistas. Outros, com menos sorte,
aproveitaram, vá lá, o primeiro ou segundo anos desta forma.
Lembro-me de que dois dos meus mestres, nessa idade de
conquistas revolucionárias, foram várias vezes ao meu emprego (completei o
liceu e entrei na faculdade como trabalhador estudante) com o argumento de que
era estúpido eu não aproveitar a maré: "Matriculas-te, basta isso, e fazes
os três anos que te faltam para a licenciatura sem um exame. Claro que tens de
ir a umas AG de alunos, fazer umas vigílias, participar em RG... Mas isso é o
menos, apareces, sais com umas palavras de ordem, tu até tens jeito para falar
em público". E, cumulativamente, poderia aproveitar, se a mama secasse, o
facto de ter feito o serviço militar para usufruir de épocas especiais de exames,
penso que de dois em dois meses poderia requerer exame a uma cadeira (penso que
sim, mas não sou peremptório; se não eram dois, eram três).
E quase me seduziram, não fossem os princípios. Sim, naquela
idade, os meus sonhos eram revolucionários, mas de outra índole. Era mais de
paixões do que de sensatez. Sempre gostei de viver com independência, pela
minha cabeça (que nem sempre regulou bem, convenhamos, e me trouxe alguns
problemas ao longa da vida), e a ausência de regras funcionava para mim como a
permissividade na formação de um adolescente, deixava-me frágil, desprotegido.
Feitios!
Nunca fui "Dr.", mas hoje, vítima dos abusos do poder
dito democrático e da sua ausência de coerência, penso que este país merecia
que eu tivesse dito "sim" e teriam de me pagar, hoje, não a
parcimoniosa pensão que aufiro, mas uma reforma para aí do triplo ou quádruplo,
que, graças aos meus pais que me fizeram assim e a Deus que me deu a bênção,
não sou de deitar fora em termos de competência, capacidade de trabalho, sou
plurifacetado para diversos misteres, e com inteligência suficiente para ver as
coisas de forma expedita e tranquila.
Não quis ser naquelas circunstâncias e daquela forma (estúpido,
penso eu, hoje, destituído de todo o romantismo), socorro-me desta veia e desta
memória para me rir um pouco das manigâncias de uns espertalhões que ainda
estão a pensar nas coisas e eu já a ver como elas vão acabar. E estou-me
marimbando (perdoem-me o termo, mas, se Sua Excelência o Senhor Primeiro
Ministro pode usar termos deste léxico de cordoaria, eu também posso) para os
títulos de pacotilha, para as resmas de tratados, aleivosias de académicos,
centenas de milhares de licenciados que nem escrever sabem. Je me fiche pas mal.
Mas, como tenho a puce à
l'oreille, gostaria de ver o registo académico de, pelo menos, vinte a
trinta por cento dos que criticaram o Senhor Miguel. Ressalvo aqui as honrosas
excepções de muita boa gente que o fez em defesa de valores superlativos. Será
que os seus lustrosos títulos académicos não chegaram para lhes fazer ver que,
pelo facto de criticarem um pacóvio megalómano, um provinciano com a mania das
grandezas - tal como Relvas (o Miguel), também Sócrates (o José) e Vara (o
Armando), entre outros, sofriam deste complexo de inferioridade intelectual e
de chico-espertismo -, conseguem branquear a sua própria história ou mascarar
os seus complexos saloios?! Ou, simplesmente, ficaram enraivecidos (ou
raivosos) por não terem descoberto a pólvora ou o ovo de Colombo?!
E, sim, por mais despudorados que sejam os nomes que me atirem
à laia de insulto pelo que escrevi, só me insulta quem eu deixo. Estou-me
olimpicamente borrifando para quem se esconde atrás da azia para atirar pedras
à história. Far-me-ão lembrar aqueles da "segunda circular" que se
entretêm a insultar os dragões que vão papando títulos com a serenidade de quem
escreve pelas suas mãos - e não à sombra do regime - o futuro. Ainda que com
erros de percurso! Pecados de circunstância! Mas o poder conquista-se assim.
... E a caravana passa!
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