quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O hóquei em campo está de luto




Faleceu uma das figuras de referência do hóquei português. José Estêvão Vasconcelos Machado foi um dos maiores lutadores que a modalidade conheceu, e deixou-nos ontem. Não tivesse falado recentemente com o filho, o vice-presidente reeleito para o executivo da FPH, José António Machado, e a notícia ter-me-ia apanhado ainda mais de surpresa. Mas, por entre lágrimas de saudade antecipada, o Zé António disse-me que o pai estava em estado terminal e só se aguardava o desenlace final.
Mesmo assim, hoje de manhã, ao abrir a minha página do facebook, a notícia estava lá, o escudo da Federação a negro. Não conseguimos nunca, mesmo que seja esperado, encarar a morte doutra forma, que não esta: o enorme vazio que fica quando parte alguém que nos marcou. Mesmo que, por fé, acreditemos na vida eterna, mesmo que, por amor à poesia, encaremos que esta partida é uma libertação da lei da morte, como escreveu Camões. Somos humanos, e esta marca indelével de fragilidade acompanha-nos e revela-se, exactamente, em momentos como este, em que o desconforto de mais um lugar vazio na nossa vida se confirma.
José Machado era um homem de convicções. Um lutador. Um homem recto. Tinha sonhos enormes e, felizmente para a modalidade, muitos se concretizaram. A variante indoor foi praticamente introduzida em Portugal por ele, a par de José Nora, que lhe conferiram uma nova identidade. Com eles, esta variante passou a ser respeitada como a grande hipótese que tínhamos de fazer crescer a modalidade, ainda sem campos condignos para a sua prática na variante de campo. Então, se não tínhamos essas condições, havia que fazer a formação num piso onde os mais jovens atletas tivessem condições mais próximas dos outros, os de lá de fora. E os frutos apareceriam: José Machado tinha uma fé enorme no atleta português e nas suas características inatas, o resto teria de ser feito através do trabalho.
Só um sonho ele não terá concretizado, apenas porque os jogos políticos neste país, refém de alguns autarcas sem palavra, podem mais do que a vontade dos cidadãos. Esse sonho nunca concretizado, mas para o qual José Machado trabalhou denodadamente durante anos e anos, foi o do complexo desportivo da Federação, que chegou a estar em projecto para Matosinhos. Vi muitas vezes os seus olhos a faiscarem, enquanto mostrava as novas amostras de relvados sintéticos, entretanto recebidas na FPH, ou quando passeávamos amiúde pelo espaço onde seria – acreditava ele – instalado o complexo.
José Machado foi um dirigente de eleição. Nem sempre estive de acordo com ele, no campo da dialéctica defrontámo-nos diversas vezes com muito fervor e algum furor, eram os tempos em que quase tudo tinha de ser feito e cada um defendia os caminhos e posições com a força e denodo que Deus nos emprestou. Claro que a sua experiência e o meu respeito levavam sempre a melhor, eu estava ainda a aprender e reconhecia-lhe o grande mérito de lutar por algo a quem ele já dera tanto, eu só queria ser capaz de fazer metade daquilo que ele já tinha feito. E era entusiasmante, eram vivas as reuniões nesse tempo em que não havia tempo para discutir o sexo dos anjos: o tempo urgia!
Do seu percurso, como atleta, treinador e dirigente, ficarão para sempre ligados o Vilanovense, o FC Porto, o Sport, a Associação de Hóquei do Porto (de que foi Presidente) e a Federação portuguesa, de quem recebeu, em 1988, a “Medalha de Dedicação”. Não tivesse sido polémico, não tivesse posto sempre o dever à frente das palavras com que defendia a sua modalidade, e, por certo, como outras figuras, teria recebido outras condecorações do hóquei. Mas ele, para quem a ambição era o crescimento da modalidade contra tudo e contra todos, nunca poupava nas palavras nem subtraía nos adjectivos, razão por que foi muitas vezes apodado de controverso, por isso mesmo problemático para outros dirigentes que, sem servirem tanto, se serviram mais.

Ao Zé António, que sei estar num momento particularmente sensível, ele que tinha no pai o seu grande modelo, o meu abraço solidário e inteiro. À restante família, os meus respeitos nesta hora difícil.
Estamos todos, os do hóquei e seus indefectíveis admiradores, mais sós, hoje, nesta manhã fria que ainda mais nos arrefece a alma.
Fica em paz, José Machado. Vai em paz, José Estêvão Vasconcelos Machado.

domingo, 11 de novembro de 2012

ISABEL JONET, PROF. PINTO DA COSTA E BREIVIK




A recente polémica contra Isabel Jonet e as suas declarações, ditas controversas, atingiu o paroxismo. Um paroxismo todo português, alimentado por quem, à laia de não ter mais com que se entreter, passa os dias e as noites a insultar quem, ainda, faz alguma coisa útil pela sociedade, quem, no fundo, ainda consegue ter uma atitude cívica e de mérito, manifestamente a favor dos mais desfavorecidos e perseguidos pelos erros de alguns que se atrevem a ignorar aquilo que fizeram para que a sociedade portuguesa esteja no estado em que está.
Foi demasiada estupidez e hipocrisia, juntas.
As declarações de Isabel Jonet até podem ter sido desafortunadas. Mas, naquele contexto redutor em que todos vamos caindo em sociedade, o de considerar infeliz a manifestação da verdade quando dói.
E com custos elevados!
Lembro, neste momento, as declarações do Prof. José Eduardo Pinto da Costa, quando, após o desastre da Ponte de Entre-os-Rios, informou que as pessoas deviam habituar-se à evidência de haver cadáveres do desastre que jamais apareceriam, o trabalho social deveria ser, então, o de preparar as famílias para essa contingência de não poderem fazer normalmente o luto.
Infelizes declarações, na visão de algum povo e dos políticos, despoletou a muito mais infeliz destituição do cargo que Pinto da Costa exercia para o Estado.
Mas a verdade aí está: a maior parte dos cadáveres não apareceu e as pessoas continuam indefesas perante a inevitabilidade de não poderem enterrar os seus, não podendo ultrapassar o luto.
Neste país, então como agora e sempre, é proibido dizer a verdade, sobretudo se a verdade for dolorosa. Ou antipática.
E, como não aprendemos as lições, há que demitir a Dr.ª Isabel Jonet em nome de uma certa hipocrisia de alegados valores morais.
Às tantas, aqueles que pugnam por estas destituições, são os mesmos que consideram coitadinho um tal Anders Breivik, norueguês e assassino confesso, que vem agora lamentar-se, numa carta de 27 páginas, de que a prisão de Ila, onde cumpre pena, não responde às exigências do seu “mérito” assassino, apesar de a sua “habitação” prisional ter três divisões: quarto, escritório e ginásio. Só que S. Ex.ª não quer viver numa prisão que “abriga alguns dos mais perigosos homens” da Noruega. Mas o que é ele senão um dos mais perigosos “homens” da Noruega?!
Ele, que matou indiscriminadamente dezenas de jovens, em gesto inconcebível e hediondo numa sociedade de valores, queixa-se ainda de que as condições da prisão “violam os direitos do homem” porque a manteiga é pouca, o café chega por vezes frio às suas “distintas” mãos e as algemas que tem de usar em certas transferências são “muito afiadas”…
Deste coitadinho temos pena! Muita pena, vítima que é da sociedade.
Aos que ainda fazem alguma coisa pelo bem comum ou dizem a verdade que temos de ouvir, embora seja aquela que não desejássemos por ser incómoda, demitimo-los ou assassinamo-los moralmente. Com a maior desfaçatez e falta de carácter.
Que infelizes!