Faleceu uma das figuras de referência do hóquei português.
José Estêvão Vasconcelos Machado foi um dos maiores lutadores que a modalidade
conheceu, e deixou-nos ontem. Não tivesse falado recentemente com o filho, o
vice-presidente reeleito para o executivo da FPH, José António Machado, e a
notícia ter-me-ia apanhado ainda mais de surpresa. Mas, por entre lágrimas de
saudade antecipada, o Zé António disse-me que o pai estava em estado terminal e
só se aguardava o desenlace final.
Mesmo assim, hoje de manhã, ao abrir a minha página do facebook, a notícia estava lá, o escudo
da Federação a negro. Não conseguimos nunca, mesmo que seja esperado, encarar a
morte doutra forma, que não esta: o enorme vazio que fica quando parte alguém
que nos marcou. Mesmo que, por fé, acreditemos na vida eterna, mesmo que, por amor
à poesia, encaremos que esta partida é uma libertação da lei da morte, como
escreveu Camões. Somos humanos, e esta marca indelével de fragilidade
acompanha-nos e revela-se, exactamente, em momentos como este, em que o
desconforto de mais um lugar vazio na nossa vida se confirma.
José Machado era um homem de convicções. Um lutador. Um
homem recto. Tinha sonhos enormes e, felizmente para a modalidade, muitos se
concretizaram. A variante indoor foi praticamente
introduzida em Portugal por ele, a par de José Nora, que lhe conferiram uma
nova identidade. Com eles, esta variante passou a ser respeitada como a grande
hipótese que tínhamos de fazer crescer a modalidade, ainda sem campos condignos
para a sua prática na variante de campo. Então, se não tínhamos essas
condições, havia que fazer a formação num piso onde os mais jovens atletas
tivessem condições mais próximas dos outros, os de lá de fora. E os frutos
apareceriam: José Machado tinha uma fé enorme no atleta português e nas suas
características inatas, o resto teria de ser feito através do trabalho.
Só um sonho ele não terá concretizado, apenas porque os
jogos políticos neste país, refém de alguns autarcas sem palavra, podem mais do
que a vontade dos cidadãos. Esse sonho nunca concretizado, mas para o qual José
Machado trabalhou denodadamente durante anos e anos, foi o do complexo
desportivo da Federação, que chegou a estar em projecto para Matosinhos. Vi
muitas vezes os seus olhos a faiscarem, enquanto mostrava as novas amostras de relvados
sintéticos, entretanto recebidas na FPH, ou quando passeávamos amiúde pelo
espaço onde seria – acreditava ele – instalado o complexo.
José Machado foi um dirigente de eleição. Nem sempre estive
de acordo com ele, no campo da dialéctica defrontámo-nos diversas vezes com
muito fervor e algum furor, eram os tempos em que quase tudo tinha de ser feito
e cada um defendia os caminhos e posições com a força e denodo que Deus nos
emprestou. Claro que a sua experiência e o meu respeito levavam sempre a
melhor, eu estava ainda a aprender e reconhecia-lhe o grande mérito de lutar
por algo a quem ele já dera tanto, eu só queria ser capaz de fazer metade
daquilo que ele já tinha feito. E era entusiasmante, eram vivas as reuniões
nesse tempo em que não havia tempo para discutir o sexo dos anjos: o tempo
urgia!
Do seu percurso, como atleta, treinador e dirigente, ficarão
para sempre ligados o Vilanovense, o FC Porto, o Sport, a Associação de Hóquei
do Porto (de que foi Presidente) e a Federação portuguesa, de quem recebeu, em
1988, a “Medalha de Dedicação”. Não tivesse sido polémico, não tivesse posto
sempre o dever à frente das palavras com que defendia a sua modalidade, e, por
certo, como outras figuras, teria recebido outras condecorações do hóquei. Mas
ele, para quem a ambição era o crescimento da modalidade contra tudo e contra
todos, nunca poupava nas palavras nem subtraía nos adjectivos, razão por que foi
muitas vezes apodado de controverso, por isso mesmo problemático para outros
dirigentes que, sem servirem tanto, se serviram mais.
Estamos todos, os do hóquei e seus indefectíveis
admiradores, mais sós, hoje, nesta manhã fria que ainda mais nos arrefece a
alma.
Fica em paz, José Machado. Vai em paz, José Estêvão
Vasconcelos Machado.
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