Maio 2007
A noite inicia-se com um black label.
A mesa apinhou com os amigos à volta, entre risos e prosa, que o DJ ainda não desatou a pista. Ficam nos ouvidos timbres de outras alegrias, os olhos ansiosos. A música é amena, internacional.
Quando abre a pista, as notas elevam-se. Os sorrisos suprem a conversa porque os decibéis dominam todos os outros sons, enquanto o cenário se acomoda nas entradas de novas produções de roupa que brilham no laser, nas luzes giratórias, nos holofotes que cobrem todo o espaço de luzes variadas.
Continua a música importada e os primeiros pares tomam lugar na dança.
Mas o grosso do pelotão espera o incontornável. Que ainda não começou. Mas a sexualidade brilha nos olhos. Enquanto se pensa na primeira dama para convidar, percorrem-se os corpos com avidez, traçam-se as curvas, imaginam-se os movimentos.
Entretanto, o ambiente vai aquecendo. Cada vez mais próximo o vulcão.
Inovou-se o ritmo a partir da cabine. O som de África investe, irrompe, poderoso.
Colam-se os corpos. Os movimentos escaldam. Mas os pés ainda se mexem no piso. O mote está lançado, mas os poetas ainda não concluíram as variações do poema que cresce em sensualidade.
As bebidas escorrem, alguns pares saem para o descanso. Que a lide na pista é fogo.
E guardam-se para o que vem a seguir.
Estão todos suspensos do DJ… que ri, descaradamente, na ansiedade de quem quer dançar.
Beberrico o whisky com gelo, muito gelo, a minha parte de “jornalista” espera, aguarda.
Chegou o momento almejado. Na pista não cabe mais ninguém. Reduz-se para centímetros o espaço entre os pares. Noutros cantos, só milímetros. Tudo dança até fora da pista.
Os pés não mexem. Centenas de pélvis concorrem na sensualidade, mexendo, remexendo, os olhos em transe. E elas não param. E eles acompanham. Há espaço a menos e corpos a mais. Tenho que me desencostar da fronteira da pista, porque há dezenas de corpos de femininos encostados à balaustrada, os corpos das mulheres movimentando-se ali, da cinta para baixo, apenas, a cinco centímetros dos meus olhos.
É muito para mim. Confesso. Nem a parte de jornalista consegue a serenidade.
Enche-se o copo de gelo, mais um gole de bebida que depressa fica a escaldar, uniforme com o ambiente de fornalha que cresce da pista e arrasa todo o espaço circundante. O ar condicionado nem se nota mais.
É quase uma hora de corpos em frenesi, enchendo da máxima carnalidade e volúpia o recinto todo.
Há tropeções na saída, os olhos estão húmidos de prazer. Meia casa vai embora por volta das duas e meia. Porque não há mais daquela música. Os decibéis em fúria atacam agora o ambiente da pesada.
Quem aguenta?!
Saiu o meu grupo todo, também. No ar aquecido da rua, os corpos invadem-se pelos cantos das árvores, em entradas entre os arbustos, nos carros estacionados mais longe. Já não brilham na escuridão as luzes de tunning. O som é calmo. Os carros não querem mostrar que lá dentro alguém se consome em juras de amor, na paixão partilhada entre dois corpos quentes e jovens que se querem.
Paramos numa estação de serviço, os três jipes. Água fresca, por favor. É urgente tirar de nós o travo da noite. Porque queima.
O jornalista pensa nas palavras. Não as encontra.
O poeta some-se na entrada do quarto e atira-se sobre a cama.
A solidão regressa. O que os seus olhos viram passa para o piso das recordações da vida, uma vida tão diferente.
Porque logo mais tarde, mas bem cedo, há uma viagem longa a encetar, com hora e meia de buracos que engolem o tráfego de uma manhã de domingo.
Chegaremos lá pela noitinha.
É o tempo de escrever alguns momentos com que a vida nos consome.
Boa noite!
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