quinta-feira, 26 de abril de 2012

Escusam de perguntar onde eu estava no 25 de abril...


O dia 25 de Abril é para mim uma data especial. Começou a 24 de Abril de 1974, ao princípio da tarde de um dia que parecia igual a tantos outros no quartel, começando por uma ordem unida no dealbar da manhã e continuando com umas aulas tácticas fora do quartel.

Saídos do almoço na messe, o passa palavra foi iniciado, instrução ministrada pelos cabos milicianos, reunião de oficiais e aspirantes em sítio a combinar...

Tudo muito discreto, ninguém desconfiou, nem o Capitão Calado, os olhos do regime.

Então, era assim: estava em movimento um golpe, bem mais preparado do que a intentona das Caldas, um mês e uns dias antes, estivéssemos atentos até às 23 horas e, se os Emissores Associados de Lisboa colocassem no ar o Paulo de Carvalho com "E depois do adeus", era para ficarmos em alerta máximo, tudo preparado para receber ordens rápidas de acção.

Podem imaginar o estado destes jovens militares, sobretudo a maioria dos de Abrantes que se sabiam mobilizados, mudando a antena para a Rádio Renascença e  aguardando ansiosamente a segunda senha.

A transmissão de "Grândola, vila morena", do Zeca, desencadeou, então, a mais promissora das noites, prenúncio da mais promissora vigília activa.

Não importa, agora, com 38 anos em cima, extrapolar sobre os acontecimentos, eles são do conhecimento público, viraram completamente o sentido de uma Nação e de um Povo, embora algumas tentações futuras acabassem por ensombrar o orgulho dos que participaram nesta aventura sem par.

Por isso, o 25 de Abril me diz tanto, mau grado as circunstâncias actuais. Avesso a protagonismo, gosto de ficar entre as gentes, fecho os olhos aos acordes, só eles me interessam juntamente com esse burburinho de povo nos meus ouvidos. O resto é aproveitamento, dos discursos aos cravos nas lapelas de tantos a quem o 25 de Abril apenas lhes diz algo porque lhes trouxe benfeitorias, riqueza, protagonismo, poder, visibilidade, mordomias...

Para além disso, nesse dia, e penso que ainda não falhei mesmo em 2007 quando vivi em Luanda, compro sempre um livro onde coloco o ano, apenas o ano porque a data eu sei bem!

Ontem, no Porto, seguindo um périplo pela baixa que sempre me conforta a alma, fui desaguar na estação de São Bento e na Estação dos livros. Sim, sou muito de alfarrabistas, penso que sempre sonhei escrever e ter uma loja de alfarrábios, receber os clientes em amenas tertúlias, acumular e fazer circular os clássicos e os menos modernos, aqueles que vamos esquecendo. Assim, não os esquecíamos. Os que estão na berra serão esquecidos mais tarde. Ponto!

Apanhei um comboio até Campanhã e, no final de duas horas de folheio, tinha comprado por 16 euros três livros.

O primeiro, Kimalanga, de FBaião, aliás o angolano Fernando Teixeira, uma divertida viagem rápida ao mundo do enriquecimento dos antigos militantes, guerrilheiros ou comissários políticos, às suas amantes e desvios ideológicos, aos carros e negócios, comissões...

O segundo, escrito por Pierre Bayard, "Como falar dos livros que não lemos", que mereceu da London Review of Books este saboroso comentário: "Brilhante... uma peça de sociologia literária útil e espirituosa, concebida para trazer paz de espírito duradoura às almas escrupulosas que ficam ansiosas quando, à sua volta, o assunto "falar-sobre-livros" se torna demasiado específico".

O terceiro, escrito pela romancista Thaisa Frank e pela poetisa Dorothy Wall, chama-se "Vocação de Escritor" (descubra, desenvolva e eduque a sua vocação literária).

Por isso, se, dentro de alguns meses, lhes cair nas mãos um livro com o meu nome e reminiscências da África que consegui conhecer do Atlântico ao Índico, se for um livro ligeiro e mordaz, responder aos cânones da estilística e for tão abiográfico que seja o mais biográfico dos livros, então agradeça ao 25 de Abril ou, simplesmente, invective-o! Se não lhe cair nas mãos esse livro, então, agradeça a Deus por me ter dado esta preguiça boa que me ensina todos os dias: "Trabalhos tenha quem trabalhos me quer dar!"

Eu, por mim, que já acabei de ler o Kimalanga (são 117 páginas, já com o glossário e o índice), estou meio estendido junto à janela, deixando entrar esta amostra de sol quentinho enquanto escrevo este blogue e ganho apetite para o lanche, que peixe não puxa carroça e, daqui a pouco, estou com fome!

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