sábado, 28 de julho de 2012

Mais uma acha




Relvas foi flibusteiro, como terá sido Sócrates e Armando Vara. Ponto.

Mas talvez seja da idade a circunstância de cada vez me lembrar mais do passado. De repente, dou comigo a reviver momentos marcantes da minha história pessoal, quanto mais antigos mais nítidos.

Daí, o ficar cada vez mais cínico face a certos senhores da minha idade ou ligeiramente mais velhos e mais novos que, arvorando-se em salvadores da honra académica, deram consigo a bater desalmadamente no senhor Miguel, a assinar e propor petições, a exigir.

Ora vamos lá por partes. Quem entrou na Universidade na década de setenta, quantas cadeiras fez por passagem administrativa? Uns acabaram cursos, outros apanharam-se sem saber ler nem escrever como pré-finalistas, finalistas. Outros, com menos sorte, aproveitaram, vá lá, o primeiro ou segundo anos desta forma.

Lembro-me de que dois dos meus mestres, nessa idade de conquistas revolucionárias, foram várias vezes ao meu emprego (completei o liceu e entrei na faculdade como trabalhador estudante) com o argumento de que era estúpido eu não aproveitar a maré: "Matriculas-te, basta isso, e fazes os três anos que te faltam para a licenciatura sem um exame. Claro que tens de ir a umas AG de alunos, fazer umas vigílias, participar em RG... Mas isso é o menos, apareces, sais com umas palavras de ordem, tu até tens jeito para falar em público". E, cumulativamente, poderia aproveitar, se a mama secasse, o facto de ter feito o serviço militar para usufruir de épocas especiais de exames, penso que de dois em dois meses poderia requerer exame a uma cadeira (penso que sim, mas não sou peremptório; se não eram dois, eram três).

E quase me seduziram, não fossem os princípios. Sim, naquela idade, os meus sonhos eram revolucionários, mas de outra índole. Era mais de paixões do que de sensatez. Sempre gostei de viver com independência, pela minha cabeça (que nem sempre regulou bem, convenhamos, e me trouxe alguns problemas ao longa da vida), e a ausência de regras funcionava para mim como a permissividade na formação de um adolescente, deixava-me frágil, desprotegido. Feitios!

Nunca fui "Dr.", mas hoje, vítima dos abusos do poder dito democrático e da sua ausência de coerência, penso que este país merecia que eu tivesse dito "sim" e teriam de me pagar, hoje, não a parcimoniosa pensão que aufiro, mas uma reforma para aí do triplo ou quádruplo, que, graças aos meus pais que me fizeram assim e a Deus que me deu a bênção, não sou de deitar fora em termos de competência, capacidade de trabalho, sou plurifacetado para diversos misteres, e com inteligência suficiente para ver as coisas de forma expedita e tranquila.

Não quis ser naquelas circunstâncias e daquela forma (estúpido, penso eu, hoje, destituído de todo o romantismo), socorro-me desta veia e desta memória para me rir um pouco das manigâncias de uns espertalhões que ainda estão a pensar nas coisas e eu já a ver como elas vão acabar. E estou-me marimbando (perdoem-me o termo, mas, se Sua Excelência o Senhor Primeiro Ministro pode usar termos deste léxico de cordoaria, eu também posso) para os títulos de pacotilha, para as resmas de tratados, aleivosias de académicos, centenas de milhares de licenciados que nem escrever sabem. Je me fiche pas mal.

Mas, como tenho a puce à l'oreille, gostaria de ver o registo académico de, pelo menos, vinte a trinta por cento dos que criticaram o Senhor Miguel. Ressalvo aqui as honrosas excepções de muita boa gente que o fez em defesa de valores superlativos. Será que os seus lustrosos títulos académicos não chegaram para lhes fazer ver que, pelo facto de criticarem um pacóvio megalómano, um provinciano com a mania das grandezas - tal como Relvas (o Miguel), também Sócrates (o José) e Vara (o Armando), entre outros, sofriam deste complexo de inferioridade intelectual e de chico-espertismo -, conseguem branquear a sua própria história ou mascarar os seus complexos saloios?! Ou, simplesmente, ficaram enraivecidos (ou raivosos) por não terem descoberto a pólvora ou o ovo de Colombo?!

E, sim, por mais despudorados que sejam os nomes que me atirem à laia de insulto pelo que escrevi, só me insulta quem eu deixo. Estou-me olimpicamente borrifando para quem se esconde atrás da azia para atirar pedras à história. Far-me-ão lembrar aqueles da "segunda circular" que se entretêm a insultar os dragões que vão papando títulos com a serenidade de quem escreve pelas suas mãos - e não à sombra do regime - o futuro. Ainda que com erros de percurso! Pecados de circunstância! Mas o poder conquista-se assim.

... E a caravana passa!

domingo, 15 de julho de 2012

Domingo de manhã, no vendaval de pensar


Sou um leitor contumaz. Perco-me nas palavras por prazer intenso, ainda que pouco metódico, para me encontrar no tempo, depois da síntese das emoções desaguadas, dos sentimentos vertidos ou dos factos espargidos no papel. Realidade ou ficção.
Não nutro preferências, embora elas me apanhem desprevenido tantas vezes, e dou por mim a bater à porta das literaturas emergentes com a lucidez de quem procura o impossível e sempre o encontra.
Neste momento da vida, em que diluo dias e noites em letra de imprensa, feita de sentimentos abertos ou mero desassossego, deambulo pela literatura estrangeira, talvez à procura de uma catarse, tentando entender todos aqueles que, por dever, prazer ou subsistência, afogueiam a existência a traduzir a língua dos outros. Ou à procura de um caminho, intrinsecamente iluminado num simulacro de revelação, mística e profana, por aquela espécie de guião que li algures: "Quem não vai a lado nenhum já está perdido!". Ou estoutro: "O que o homem não inventa para pensar menos".
De facto, enquanto leio, não penso. E essa ausência metafísica alimenta esta abulia, esta atávica indolência, dá força e músculo a esta preguiça de, não pensando, não ter de escrever. Mas eu quase só sei escrever! Não sei se bem se mal. Há quem embandeire o meu talento, eu sei, mas nada me diz que não seja por não entender que o meu género é este, o de estar na vida sem rumo, ainda que apaixonado, como um asceta que se esconde no vazio porque está demasiado cheio de ideais e de loucura. Ou, simplesmente, sofre de agorafobia.
Cheguei àquela fase de anamnese em que rejubilo com a recuperação do passado, mas temo que a anomia (como desorganização interior) acabe por se transformar em anfibologia, tomada aqui como um aglomerado de proposições que não passam de equívocos, e fico estranhamente ansioso por me ter perdido dos meus arquétipos, Platão ou Jung.
Como gostaria, no entanto, de poder dizer: finalmente, a ataraxia! Mas será que a absoluta tranquilidade existe? Serei um estóico à procura da finalidade última? Ou um autista caótico que se perdeu porque não consegue sair de si próprio, porque não consegue tomar em consideração o mundo exterior (ou, tão só, conviver inteiramente com ele)?
Sim, sou absolutamente incapaz de axiologia, apesar de todos os cânones que me imponho para iludir, concupiscentemente, o cinismo. Cheio de conotações, apenas.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Mas as crianças, Senhor




Diz-nos o jornal PÚBLICO, citando o Projecto EU Kids Online, que Portugal é o “país europeu onde mais pais expressaram preocupações com os riscos online: 65% preocupam-se com contactos de estranhos e 61% com conteúdos problemáticos”.
Seria um belíssimo índice se, por outro lado, o mesmo jornal não referisse que um relatório do Conselho da Europa alerta que “há crianças portuguesas a emigrar para trabalhar por causa da crise”.
Ainda no mesmo periódico, podemos ler que o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, face ao “arrependimento” de um abusador de menores, condenou o acusado a cinco anos de prisão com pena suspensa, uma vez que o colectivo de juízes considerou, com o aplauso de Ricardo Sá Fernandes, advogado de defesa, que a “ameaça de prisão realiza de forma adequada a finalidade da prisão”.
Belíssimo conceito da filosofia do direito, revoltante para quem sabe como funcionam os predadores sexuais.
Valham-nos, por isso, os versos de Augusto Gil, na Balada da Neve, se é que as palavras belas e os sentimentos genuínos podem, ainda, minorar a nossa revolta:
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!
Porque padecem assim?!”