No reino do inverosímil, nada mais improvável do que, de repente, entrar-nos no táxi uma Alteza Real. Que é como quem diz: o cúmulo da Nobreza.
Pois, aconteceu no Chiado.
Meio remelgado por uma tarde de sol, logo a seguir ao almoço, o taxista fazia contas à vida, pesando os pensamentos no torpor do bagacito.
A Central pedia uma viatura ao Chiado, e o taxista espreguiçou-se, respondeu, deu ao motor de arranque e lá foi ao encontro do cliente. Entra na Rua, começa a contar os números de polícia e lá estava o freguês, fazendo sinal.
Arregalou os olhos – o taxista; sorriu o cliente.
D. Duarte Pio, dito de Bragança, para muitos o herdeiro ao trono de Portugal, abriu a porta de trás, cumprimentou com a sua voz inconfundível, e disparou: “Por favor, para São Pedro de Sintra”.
Orgulhoso, o trabalhador cumprimentou efusivamente Sua Alteza, resistiu à tentação de pedir um autógrafo, que atestaria perante os colegas, a mulher, os filhos, os vizinhos, que o Duque Maior da realeza lusitana se sentara no seu táxi.
E logo numa corrida, daquelas que não acontecem todos os dias, comprida e proveitosa.
O útil, o agradável e o honroso, servidos na mesma taça de sorrisos. Ainda bem que mascara uma chiclete, disfarçando o hálito do bagaço a martelo.
Arrancou, com todo o cuidado – uma Alteza Real merece o mais suave dos arranques – quando soou “A Portuguesa” no telemóvel do Nobre. Brincadeira, o “hino nacional” de D. Duarte Pio é diferente… não tem tons encarnados, verdes, amarelos… dá voz ao azul e branco da monarquia nativa deste cantinho à beira-mar.
- Senhor taxista, afinal já não vamos para São Pedro de Sintra. Uma alteração de última hora no meu programa da tarde. Faz o favor de me levar às Amoreiras.
Lá se ia o útil, o honroso ia ser breve, e o agradável resumir-se-ia a uma corrida normal, daquelas que não aquecem nem arrefecem as emoções.
Parado no semáforo, o taxista resmungava para dentro. E o nobre telemóvel de Sua Excelência voltou a tocar.
- Senhor taxista, vai desculpar o incómodo, mas vai deixar-me já ali, na Rua de Camões…
Cem metros… a corrida do Rei?! Que raio!
D. Duarte Pio, dito de Bragança, pagou, com ar régio, a corrida. E não arredondou… Recebeu dois euros e oitenta de troco, meteu-os no bolso e lá se foi com um “boa tarde, desculpe”, sem deixar gorjeta… Um Príncipe, ou Duque, ou lá o que é, não dá gorjeta…
A notícia não diz mais nada. Nem de Sua Alteza Real, nem do pobre do Zé, o taxista.
Mas, tanto quanto se sabe, arrotou, vociferou e gritou “Viva a República”, que o Presidente Cavaco também não dá gorjetas, mas não engana taxistas.
Antigamente, quando os Reis eram a sério e os herdeiros ao trono eram autênticos, isto não teria acontecido. É que teria sido impossível uma dessas Altezas Reais ter entrado num táxi no Chiado. Impossível de impossível.
Mas, mesmo que o mais improvável acontecesse e um herdeiro ao trono entrasse num táxi, ao primeiro telefonema, Sua Alteza Real teria respondido, mais ou menos cerimoniosamente: “Vai-me desculpar, mas estou num táxi a caminho de São Pedro de Sintra. Qualquer assunto, posso dispor de alguns minutos para o receber. Lá!”
Sim, só um cromo de Príncipe Herdeiro se submete aos desejos de uma chamada para o Seu telemóvel! Um arremedo de Rei, este D. Duarte Pio qualquer-coisa de Bragança.
Viva a República!
Armindo,
ResponderEliminarSe hoje, vivemos de faz de contas:-faz de conta que eu te amo; -faz de conta que eu te sou fiel; - faz de conta que eu sou honesto; - faz de conta que eu sou feliz; etc...porque com os políticos e com a monarquia seria diferente???
Adorei seu texto, já não se fazem príncipes, como antigamente: por isso, ainda não encontrei o meu!
Bjo,
Koka
Se este caso acontecesse com um qualquer a notícia não tinha vindo nos jornais. Sua Alteza Real, O Senhor Dom Duarte Pio ao menos apanha transportes públicos ao invés dos vossos desgovernantes republicanos que face à crise, renovam a frota dos carrões que os fazem deslocar para os "meetings" de corrupção!!!
ResponderEliminarSua Alteza tem uma agenda muito vasta e muitas vezes os seus rumos têm que ser alterados. Deve ter surgido algo de importante que o fez mudar de rota. Gorjeta ao taxista? Já nos roubam muito por cada deslocação!
Quanto à Monarquia nunca "fez de conta" está bem viva ainda e há cada vez mais monárquicos.
Quanto ao Príncipe se o delirante ainda não o encontrou, é porque não quer! Eu tenho o meu, o Príncipe da Beira, o Príncipe de Portugal que se chama Dom Afonso de Santa Maria, Filho mais velho de Suas Altezas Reais, Os Duques de Bragança, Dom Duarte Pio e Senhora Dona Isabel de Herédia de Bragança.
VIVA O REI!
VIVA A FAMÍLIA REAL!
ABAIXO A REPÚBLICA PODRE E CORRUPTA!
Ninguém me provou ainda a superioridade moral da monarquia.
ResponderEliminarNem a D. Maria (de) Menezes!
Ninguém me provou ainda a superioridade ética da república.
Nem o pão-de-ló da D. Leonor Rosa.
Embora sendo de uma terra de alguns Menezes (com “z” de nobreZa), sou um Vasconcelos do povo (não dobro o “l”).
E, pão-de-ló, prefiro o popular dos descendentes de Mário Ribeiro, ele também certificado e de Margaride.
Nunca vi o povo pobre de Margaride a receber as claras que sobravam dos ovos, cujas gemas davam cor ao pão-de-ló real.
Mas distribuí muitos litros de claras, à porta da fábrica, durante o fabrico do pão-de-ló popular, em vésperas de Páscoa.
Sou, de facto, diferente da D. Maria (de) Menezes. Sou, apenas, um Vasconcelos.
Não, não acredito em política por inspiração divina e dinástica. Mas também não acredito em regimes, alegadamente democráticos, republicanos e populares, que se instalam pela violência.
Penso que uma e outra forma de poder têm virtudes e defeitos. Não sou fundamentalista.
E, embora adore as palavras, não gosto de adorná-las com títulos que nada me dizem. Por mais nobres.
Não, não vou fazer dialéctica sobre a realeza e as outras classes, sobre monarquia e república. Uma e outra, decadentes. Até porque tenho o poder de fechar a porta à dialéctica neste blogue. Só publico o que quero!
Sou absolutista.
Mas será sempre bem-vinda para uma boa conversa sem espartilhos.
Sou liberal.
E não vai ser um(a) nobre, pelos vistos tão desfasado(a) da realidade do século XXI como eu, que vai ensinar-me História. É que eu conheço, por estudo, todos os vícios e virtudes, confessáveis e inconfessáveis, dos regimes políticos. Do poder.
Apetece-me ser feudal!
E não abdico de fazer humor com príncipes, presidentes, ministros. Nem o clero me atormenta a liberdade.
Sou ferozmente independente, “supra partes” ou “primus inter pares”… quiçá por inspiração divina!
Post-scriptum (escrevi por extenso para não se confundir com PS) real: Teria ficado bem à D. Maria (de) Menezes ter usado o nome completo de Suas Altezas Reais. A República é que abrevia os nomes das pessoas.
E eu gosto de coerência!
Atento, venerador e obrigado,
Armindo de Vasconcelos (com "de", realmente, confirmado no notário)