(como quem bate à porta à procura de nada)
Há, de facto, quem se sente no sítio certo da vida, e chamam-lhe filósofo. Há quem se deite, demasiado, no lado errado da cama, e chamam-lhe coitado. Há quem não se sente por falta de aldeia, e chamam-lhe poeta.
Somos todos assim quando tentamos pintar de ocre o cinzento da vida.
As voltas que damos às letras para ganharmos vontade de escrever o inexorável… Quando a porta da alma se pinta de negro e o gonzo toca um requiem (ainda se fosse de Mozart) sôfrego de murmúrios que a voz negou, quando a noite apenas apascenta o exaurir de segredos por dizer, mas consabidos, quando as madrugadas se penteiam de fósforo como se bruxas fossem, quando as manhãs apunhalam o sonho faiscando ao sol fora de tempo, quando a alma fica cinzenta e todos querem pintá-la de ocre porque está escrito que as almas – todas – têm de ser ocres, ou serão outra coisa, quando de estranhas vozes se traja a noite, prefaciando o pardacento da manhã, quando de desconformes sonhos se faz o dormir, embutindo as olheiras, há – e haverá – sempre um silêncio reticente e mordaz, cavador de sons hórridos no mar levantado da noite ambígua das almas inertes.
E, se no lento correr das horas se multiplicam as palavras reprovadas... Ou, no acinte dos momentos, a corrosão correr livre... Essa é, então, a hora de partir para onde não seja obrigatório pintar de ocre a alma cinzenta.
Dói-me a cabeça de exaustão. Estou farto de olhares malsãos que me absorvem e censuram nos bancos corridos de um sítio, como se o meu ar, alegadamente sadio, insultasse os fatos negros da doença que se mói por ali. E tanta doença se mói por ali. E tanta censura se faz ao sabor da ditadura das nossas conveniências de de carácter, dos nossos pesadelos insalubres e pintados de medos ou comodismo.
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