Vieram de mundos tão díspares.
Ele cresceu, ali mesmo, subindo e descendo as escadas de uma casa que nunca haveria de ser herança.
Ela nunca conseguirá subir todas as escadas das casas que um dia herdou.
Ele fez-se como regador de cebolais, de vinhas, antes de, a pé, fazer os três quilómetros que o separavam da escola. E como doía o frio ao atravessar a agra, aquele descampado imenso sem paredes, a perder de vista como um mar, só que mais frio.
Ela, do alto da linhagem, sorria aos meninos pobres quando chegava, de carro, ao colégio. Nunca muito pobres, que esses andavam na escola pública que ficava num sítio que ela conhecia mal.
Ele ia pelas garagens à cata de rolamentos para fazer os seus brinquedos (o carrinho de rolamentos… com o nome gravado a fogo…) e descia, sem rede, a ladeira do rio, a ponte a centímetros do medo.
Ela tinha uma bicicleta (quantas tivera antes?) cor-de-rosa, e pedalava graciosamente as rendas com etiquetas famosas.
Ele estava feliz porque lhe tinham feito uns calções do que tinham sido umas calças de adulto.
Ela olhou o fato com desdém. O que fazer a tanto vestido, tanta fartura no guarda-fatos do seu quarto forrado a cores femininas…
Não, ele não tinha um quarto. Tinham feito umas cortinas coloridas em ângulo recto. No ângulo recto do canto da sala elas caíam, na vertical, e eram as fronteiras do seu mundo, onde, como adorno, havia um quadro feito de um calendário com paisagens da Suíça. E uma cama de ferro, onde dormia e sonhava.
"Vieram de mundos tão díspares"....mas tocam-se pela alma!....
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